Um
dos maiores desafios na pilotagem de uma motocicleta é conduzi-la
corretamente em curvas, sejam elas de baixa ou alta velocidade.
Para facilitar o entendimento desse
artigo, tomei como base motocicletas Harley Davidson "Custom" rodando em
estradas asfaltadas (embora o princípio seja válido para qualquer moto)
em velocidades acima de 60 km/h.
Existem vários aspectos que devem ser
considerados numa curva; tais como redução de velocidade, posição do
corpo, piso, etc. tratados exaustivamente em outros artigos por vários
de vocês. Correndo o risco de me tornar repetitivo, volto ao tema
concentrando-me em três daqueles que julgo os mais importantes:
Contra-esterço
Sem que saibamos o que é o contra-esterço e como ele atua, corremos sérios riscos de acidentes.
Esterço é o movimento de guidon que fazemos para executar uma curva. E porque contra?
Como o próprio nome diz, para fazer uma curva para a DIREITA temos que,
delicadamente, esterçar o guidon para a ESQUERDA ! Parece uma loucura
mas não é, trata-se tão somente da física atuando com o chamado efeito
giroscópico. Para ficar mais claro, existe um teste muito simples que
pode ser feito com dois copos de vidro ou de plástico. Pegue dois copos
idênticos cujas bocas sejam maiores do que os fundos e coloque-os com as
bocas encostadas uma na outra. Prenda os copos nessa posição usando
fita durex ou isolante. Colocando os copos presos sobre uma superfície
plana você verá que o meio é mais alto do que as extremidades tal qual o
pneu dianteiro da moto. Quando a moto esta em linha reta ela vai se
apoiar exatamente no meio (onde os copos estão fixados). Gire os copos
para a esquerda (como se estivesse girando o guidon) encostando o copo
da direita na mesa (a moto se apoia na lateral do pneu nas curvas),
agora com a palma da mão empurre o copo que esta apoiado na mesa para a
frente: embora ele esteja virado para a esquerda ele vai girar para a
DIREITA !
Como é que até hoje eu fazia as curvas
com a minha moto sem perceber que estava fazendo isso? INSTINTO.
Pilotagem de moto é altamente instintiva e falaremos disso mais à
frente. No caso do contra-esterço é fundamental que o utilizemos
conscientemente e a nosso favor, evitando situações como a experimentada
por mim em meados de 2009. Eu estava descendo a serra de Petrópolis
quando no viaduto que antecede um túnel me vi mais rápido que minha
competência permitia. Fiz quase tudo errado: toquinhos no freio da
frente e tapinhas no freio traseiro de nada adiantaram, cada vez mais eu
me aproximava do limite da pista. Já em pânico pensei: "- tenho que
girar mais o guidon para a esquerda", ou seja fiz exatamente o contrário
pois a curva era para a esquerda e eu não sabia absolutamente nada de
contra-esterço. O anjo da guardo tomou o guidon das minhas mãos e
conseguiu fazer a curva. Passei a um dedo (do Lula) da mureta do
viaduto.
Se você ainda não acredita no tal de
contra-esterço, pegue sua moto e vá para uma avenida larga e sem
movimento e a 40 Km/h empurre a manete da direita delicadamente para a
frente. A moto vai se inclinar para a direita e vai começar a curvar
para o mesmo lado.
Olhar
A motocicleta vai para onde você olha.
Muita gente se acidenta em uma curva ao fixar o olhar no acostamento, no
guard-rail, no carro ou na moto que vem em sentido contrário ou naquele
que está a seu lado.
Nas fotos abaixo observe para onde está voltada a cabeça do piloto e a direção que a moto está tomando:
Na sequencia abaixo o piloto, ao fixar o
olhar no carro, desistiu da curva, tirou a inclinação da moto e foi
atraido para ele como se fosse um imã. Bastaria tão somente olhar para o
ponto de saída da curva e contra-esterçar com vontade, o espaço era
suficiente para evitar o acidente:
Repare que na primeira foto a moto está
inclinada mas não no limite, significando que poderia contra-esterçar
ainda mais. Porém, a partir do momento em que o componente OLHAR se
desviou da SOLUÇÃO e passou a se fixar no PROBLEMA (o carro), o nosso
amigo piloto desistiu da curva, tirou a inclinação da moto,
provavelmente usou o freio de forma errada e totalmente desequilibrado
em cima da moto caminhou como um boi caminha para o matadouro.
Provavelmente a culpa foi atribuida aos malditos pneus Dunlop. Abaixo o
resto da sequência. Tomem a árvore como referência e reparem que o carro
chegou a parar !
(fotos cortesia Killboy.com e Jim Miller Photography)
Lembre-se, olhar para onde você quer que
a moto vá é a SOLUÇÂO, olhar para obstáculos é o PROBLEMA, olhe sempre
para a SOLUÇÂO, jamais para o PROBLEMA.
(Foto cortezia Cyro França Jr durante curso sobre técnica de operações básicas das Policias Americana e Canadense)
Seu olhar tem que ser como a luz do
farol, ele não deve se fixar em nenhum ponto e sim avançar 2 ou 3
segundos à frente, para onde você quer que a moto vá. Não desvie jamais o
olhar do seu objetivo, especialmente no meio de uma curva. Quando a
curva pemitir, olhe para onde você quer, o seu ponto de saída. Combinar
o olhar com o contra-esterço, além de resultar em curvas redondas,
reduz drasticamente os riscos de acidentes.
Negociando a entrada da curva
Para aproveitar ao máximo o espaço
disponível e com isso aumentar o raio da curva facilitando o seu
contorno, nosso ponto de entrada é o lado externo da curva, isto é: se a
curva é para a direita o ponto de entrada será o extremo esquerdo da
pista de rolamento. No meio da curva está o ponto de tangência no
extremo à direita. O ponto de saída, nesse caso, será no extremo à
esquerda da pista de rolamento. Olhando o desenho abaixo fica mais fácil
de entender. Sempre que possível, visualizar o ponto de tangência da
curva e fazer a entrada no lado oposto ao mesmo. Isto é, se o ponto de
tangência está à sua esquerda você faz a entrada de curva no limite à
direita e vice-versa.
A velocidade de entrada na curva é
fundamental para que ela seja feita da forma mais eficiente e segura
possível. É preferível reduzir a marcha e entrar em uma velocidade mais
baixa com o motor "cheio" e acelerar gradualmente a entrar numa
velocidade alta e ter necessidade de reduzi-la "dentro" da curva. Na
primeira situação - velocidade mais baixa - o conjunto de movimentos
será harmonioso, já no segundo caso - velocidade excessiva - voce vai
ter muito mais trabalho para contrariar o comportamento da moto (mais
velocidade = menos inclinação = maior dificuldade de reduzir velocidade =
maior dificuldade de passar no ponto de tangência desejado).
A importancia de subir as rotações do
motor antes de entrar na curva (através da redução de marcha) é para sua
utilização como "freio motor" caso necessário. Jamais use os freios
dianteiro ou traseiro dentro de uma curva. Basta fechar a manete de
aceleração que a moto reduzirá e inclinará ainda mais, ajudando na
curva. É muito mais seguro entrar em uma curva desconhecida reduzindo
para uma marcha mais baixa, com motor "esgoelando", do que entrar
"solto" em uma marcha alta.
Outra providência em curvas mais rápidas
é transferir o centro de gravidade para o mais próximo do solo, para
isso basta deixar de preguiça e passar o peso do corpo para a
pedaleira/plataforma do lado interno da curva aliviando a bunda no
banco. Nas tourings isso é um santo remédio para acabar com as pequenas
reboladas.
E uma recomendação que poderá salvar sua vida: JAMAIS DESISTA DE UMA CURVA DEPOIS DE INICIADA,
a partir do momento em que voce tomou sua decisão vá até o fim. Se
entrou rápido demais, feche a manete de aceleração e incline a moto
mantendo o olhar para o ponto de saída da curva, sem se preocupar com a
pedaleira raspando no chão e, principalmente, SEM OLHAR para os
obstáculos: carros em sentido contrário, guard-rails, caminhão ao seu
lado, acostamento, etc...Fixe o olhar no seu objetivo e acredite que
voce conseguirá.
Existe uma forma de fazer uma frenagem
de emergêencia em uma curva utilizando o freio dianteiro no seu limite.
Além de exigir muito treino é fundamental que a negociação da entrada da
curva tenha sido feita de forma adequada. Se você perceber que a
velocidade está muito além do permitido pela curva e não tiver condições
de usar o freio motor, retire a inclinação da moto, colocando-a em pé
com o guidom reto e aplique o freio dianteiro com vontade sem deixar a
roda bloquear e antes de passar para a pista contrária, solte o freio,
contra-esterce com vontade e continue na curva. Isso parece difícil, e
é, mas lembre-se que se a negociação da curva foi bem feita a
perpendicular que vai do ponto de tangencia até o limite do ponto de
saída lhe proporciona alguns bons metros que podem ser a diferença entre
cair ou retomar a curva, agora em velocidade mais baixa.
Treino
Não adianta encontrarmos culpados para
os sustos e acidentes que sofremos, vestirmos verdadeiras armaduras
medievais para pilotar se não fizermos o fundamental: praticar. É a
melhor maneira de criar memória em nossos músculos e neurônios das ações
que pretendemos transformar em reflexos.
Vale a pena estabelecer um programa de
treinamento com colegas, escolher um local seguro, levar uma trena,
fazer marcações e começar treinando frenagens de emergência, primeiro a
40 km/h , depois a 60 km/h e assim sucessivamente. Garanto que muitos de
nós ainda não vimos o pneu dianteiro de nossas motos bloquearem. É
melhor descobrir em treinamentos e saber como proceder do que numa
situação real. Até mesmo frenagens de emergência em curvas podem e devem
ser praticadas. Utilize um local sem trânsito e simule curvas com
frenagens no meio e continuação da curva, primeiro em velocidades baixas
40, 50 Km/h. Depois em estradas sem movimento, simule a 70/ 80 km/h.
Garanto que os dividendos valem a pena.
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